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Foto do escritorAndré Felipe

"Nada Aqui é Tão Bom Quanto no Brasil" – Sobre Morar em Outro País

Mulher de malas em um aeroporto, viajando para outro país.

Morar em outro país pode ser uma experiência desafiadora. Muitos brasileiros que optam por viver no exterior podem enfrentar sentimentos inesperados, como a sensação de que “nada é tão bom quanto no Brasil”. Seja em termos de comida, música, ou até da relação com as pessoas, a comparação com o Brasil é inevitável – e muitas vezes a cultura brasileira parece sempre sair vitoriosa. Para entendermos esse fenômeno, vamos explorar alguns conceitos da com base na psicologia histórico-cultural e na neuropsicologia.


Por Que Sentimos Que o Brasil é “Melhor”?


Sentimentos de estranhamento e dificuldade de adaptação são comuns quando alguém é retirado do contexto cultural ao qual pertence. Nosso cérebro é moldado por fatores culturais, sociais e históricos. As memórias, crenças e até reações emocionais são, em grande parte, frutos da cultura na qual crescemos. Ou seja, a percepção de que o “Brasil é melhor” não é só uma comparação, mas também uma expressão do quanto o contexto cultural em que fomos criados influencia nosso modo de ver o mundo.


Nossa compreensão e nossos sentimentos sobre o mundo são mediados pela cultura em que estamos inseridos. Quando saímos do Brasil, as referências que tínhamos como normais e satisfatórias deixam de estar disponíveis e, muitas vezes, somos colocados em um contexto onde essas novas referências são desconhecidas ou pouco familiares.


A Força do Costume e do “Estrangeiro Interno”


O cérebro humano se adapta aos padrões sociais e culturais do seu meio. Essa adaptação é automática e tão forte que, ao chegar a um novo país, experimentamos a sensação de estar “fora do lugar”. É como se carregássemos conosco uma “mentalidade estrangeira”, que constantemente compara e julga as novas experiências com base nos padrões brasileiros. Esse “estrangeiro interno” faz com que vejamos as particularidades locais como menos “boas” ou até estranhas em relação ao que vivemos no Brasil.


Para os brasileiros morando fora, esse processo de comparação pode ser mais intenso devido à vivência coletiva e calorosa que caracteriza nossa cultura. No Brasil, a ideia de proximidade, a disposição para conversar e as celebrações são traços enraizados na forma como construímos relações e vivemos o dia a dia. Esses traços, que parecem simples, tornam-se muito significativos ao viver em um contexto cultural diferente, gerando a impressão de que “lá fora” tudo é frio e impessoal.


Outro fator importante na percepção de que o Brasil é melhor está na nostalgia, ou seja, o olhar afetuoso para o passado. A nostalgia pode se intensificar em situações de mudança, e a idealização do Brasil passa a ser uma forma de encontrar conforto em meio ao desconhecido. Esse fenômeno é compreensível: ao vivermos em um novo país, nosso cérebro busca formas de segurança e apoio emocional, e isso frequentemente leva à idealização do que foi deixado para trás.


Nossa memória não só armazena informações, mas também é profundamente marcada por nossa vivência coletiva. Assim, a idealização do Brasil pode ser uma manifestação de uma memória afetiva, que nos remete a algo que nos dá segurança emocional em um momento de adaptação.


Diferenças Culturais e Processamento Cognitivo


A adaptação cultural exige que o cérebro passe por um processo chamado de “reorganização cognitiva”. Isso significa que, ao mudarmos para um novo ambiente, nossa mente precisa desenvolver novos padrões e compreender os códigos culturais locais. Esse processo pode ser desconfortável e é comum que, ao tentar entender e se ajustar a novos valores, o cérebro sinta-se sobrecarregado, optando então por relembrar e enaltecer o que era familiar no Brasil.


A psicologia histórico-cultural chama isso de internalização. No Brasil, internalizamos nossas referências culturais desde pequenos, e elas moldam a forma como reagimos ao mundo. Já no exterior, a internalização das referências culturais não é tão simples, e o cérebro frequentemente prefere evocar o conforto das memórias do Brasil.


É natural, e até esperado, que a diferença cultural nos faça sentir saudades do que nos é familiar. No entanto, o sentimento de superioridade cultural pode ser uma defesa psicológica contra a dificuldade de adaptação. Essa reação faz parte de uma tendência do cérebro em buscar o que considera seguro e previsível, algo que está fortemente ligado ao que conhecemos de nossa cultura.


O “estranhamento” sentido ao experimentar uma nova cultura é resultado do choque entre as expectativas culturais internalizadas e a nova realidade. Para evitar sentimentos de inadequação, o cérebro reforça a ideia de que a cultura brasileira é melhor, como uma forma de validar aquilo que já conhecemos.


Lidando com a Saudade


Mulher feliz tirando uma selfie durante viagem.

A percepção de que “nada é tão bom quanto no Brasil” não precisa ser um impedimento para a adaptação. Em vez de comparar constantemente, podemos tentar desenvolver uma postura mais aberta e curiosa, aceitando as diferenças como oportunidades de aprendizado. Seguem algumas dicas para ajudar nessa transição:


1. Reconheça a nostalgia – Entenda que o que você sente é natural. A saudade do Brasil e das referências culturais conhecidas faz parte do processo de adaptação e não precisa ser evitada. Encare a saudade como um reflexo das boas memórias, mas mantenha o espaço aberto para novas experiências.


2. Experimente com curiosidade – Em vez de julgar, tente compreender o valor cultural por trás dos costumes locais. Cada cultura tem um contexto histórico e social que a construiu, e compreender esse contexto pode ajudar a desenvolver uma apreciação genuína pela nova realidade.


3. Pratique a internalização progressiva – Em vez de forçar a aceitação, permita que a nova cultura se torne familiar aos poucos. Compartilhe momentos com os locais, aprenda sobre a história do país, explore o modo de vida e crie sua própria vivência no lugar.


4. Equilíbrio entre as culturas – Traga com você o que considera especial na cultura brasileira e compartilhe com os novos amigos. Muitos brasileiros encontram maneiras de mesclar as duas culturas, criando uma “zona de conforto” que possibilita viver o melhor de ambas as culturas.


A percepção de que “nada é tão bom quanto no Brasil” é um fenômeno comum e compreensível. Nossa memória cultural e a adaptação ao novo ambiente influenciam essa percepção. Em vez de se culpar, abrace a oportunidade de conhecer outras culturas e compreenda que essa experiência pode enriquecer sua vida e suas perspectivas. A beleza de viver em um mundo multicultural está justamente na possibilidade de aprender com o novo, mantendo viva a essência do que trazemos do nosso lar brasileiro.



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